Por Paulo Scurato
A foto à cima é a imagem de divulgação do filme “Terraferma” – Terra Firme – do diretor italiano EmanueleCrialese, que conta a história da família de um pescador, que resgata uma etíope grávida no mar, tendo a rotina mudada completamente depois de acolhê-la. Embora não haja citação explícita à localidade real na qual o filme se desenrola, fica clara que a referência básica é a Ilha de Lampedusa: a mesma que vêm sendo noticiada como uma das maiores áreas de recebimento de imigrantes ilegais nos últimos meses.
Fugindo do caráter apenas descritivo do fenômeno, o filme de Crialese é embasado em grande criticidade, colocando em contestação as medidas do governo e população italianos diante dos imigrantes que chegam ao país. Na história vivida pela família de Ernesto, o pescador que resgata a etíope, fica clara a repressão simbólica que sofrem diante dos próprios parentes e dos órgãos governamentais. Os primeiros os repreendem pelo medo de que a ilha perca o seu atrativo turístico devido ao fato de ter se tornado um centro de atração imigratória: temem, antes de tudo, perder uma das bases de sustentação financeira da população local; os segundos simbolizam a ameaça governamental, uma vez que apreendem o barco daqueles pescadores que resgatam imigrantes no mar e os levam para a ilha, restringindo diretamente o principal meio de obtenção de renda das famílias.
Mesmo sendo apenas um filme, Terraferma demonstra o problema da imigração africana para a Europa com realidade precisa. A repressão tornou-se, infelizmente, um ato legítimo dentro do governo de Silvio Berluscone, tendo aceitação por partes significativas da população italiana. O temor destes setores é de que o fluxo desenfreado de imigrantes traga ondas de violência e desemprego, aumentando ainda mais os sentimentos de xenofobia. Sendo assim, deixar seres humanos à deriva, contando apenas com a própria sorte passa a adquirir legitimidade numa nação que está no rol daquelas taxadas como civilizadas.
Outro filme, a comédia "Cose dell'altro mondo" do diretor Francesco Patierno, trata da imigração sobre uma outra ótica. O filme traz uma abordagem de como seria a Itália sem os quatro milhões de imigrantes que vivem no país. Mesmo sendo uma obra fictícia, as conclusões não destoam daquilo que é claro frente a qualquer perspectiva racional: algumas das atividades vitais do país parariam. Em primeiro lugar porque não haveria mão de obra para as indústrias, assim como faltariam pessoas para fazer aquilo que é julgado como os trabalhos inferiores dentro de uma sociedade, como a coleta de lixo, o tratamento de enfermos por enfermeiras nos hospitais e até mesmo o cuidado de idosos em suas casas.
Mesmo que pareçam, à primeira vista, como demasiadas, estas consequências são reais, ainda mais se levamos em conta a crise demográfica enfrentada pela Itália e outros países europeus, que na verdade vivem uma inversão de suas pirâmides etárias, tendo a necessidade clara de absorção de mão-de-obra que permita que toda a máquina estatal, assim como os setores privados, continue a operar. Todavia, em vista das diversas crises econômicas que se tronam cada vez mais rotineiras, o medo do imigrante só cresce; cresce ao ponto de alimentar atitudes agressivas por parte de europeus perante aquelesque possuem os ofícios que, de uma maneira ou de outra, são aqueles que muitos “nativos” chamariam de indignos.
Cria-se, assim, uma crise múltipla que parece ser cíclica: barrar o imigrante não o impedirá de arriscar-se mais uma vez na busca por uma vida melhor na Europa, já que o que motiva este fluxo de pessoas não é o desejo de turismo, muito menos o de acordar em verdes campinas: imigra-se porque é necessário fugir de situações de miserabilidade e insegurança ( em todos os sentidos, seja ela política, econômica e/ou alimentar), e estas condições não são naturais, uma vez que o que acontece hoje no continente africano tem raízes históricas no próprio colonialismo europeu. Além disso, percebe-se que barrar a imigração é declarar a falência futura das bases de sustento de uma sociedade industrial: o trabalho em sua espécie mais elementar, já que um país sem população economicamente ativa não consegue suprir suas próprias necessidades básicas. Fazer vista grossa aos imigrantes e às questões humanitárias pode parecer plausível em momentos pontuais. Entretanto, num futuro próximo, pode significar um aumento dos próprios fluxos imigratórios ou o colapso da própria base econômica e social italiana: quiçá ambas se as realidades tomarem o rumo que vêm tomando.
Bibliografia:
FILMES italianos falam sobre imigração em festival de Veneza. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/970643-filmes-italianos-falam-sobre-imigracao-em-festival-de-veneza.shtml. Acesso em: 17/11/2011.
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