quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Imigrantes figurinhas.

Por Paulo Scurato

A imigração ilegal, embora seja noticiada e estudada na maioria das vezes como realidade europeia e estadunidense, é um fenômeno que se dá em outras tantas nações, sendo elas desenvolvidas ou subdesenvolvidas. Neste ponto pode-se mencionar os milhares de bolivianos que vêm ao Brasil na busca por melhores condições de vida , assim como os outros milhares de malásios que imigram à Austrália por este mesmo motivo.
Em referência aos dois últimos países, em agosto do ano presente, anunciou-se um acordo entre seus governos, cujo cunho norteador era justamente o combate à imigração ilegal para Austrália. Surpreendentemente, não se tratava apenas de políticas de deportação ou fiscalização das costas australianas – meios pelos quais a imigração se dá no continente, mas sim de uma implementação inusitada: Malásia e Austrália acordaram uma “troca”. Nesta, a primeira assumiria o compromisso de receber 800 imigrantes ilegais deportados do território australiano, enquanto que a segunda receberia cerca de 4000 pessoas, consideradas refugiados segundo as Nações Unidas, dos campos da Malásia.
Trata-se, antes de mais nada, aos olhos de uma visão crítica,  de uma posição política ambígua. Trocam-se imigrantes por refugiados, mesmo que os primeiros apresentem as mesmas características que permitem aos segundos a denominação que lhes é dada. Muito além disto: a intenção australiana é de adquirir ainda mais legitimidade ao governo, já que o tema imigração é uma das grandes preocupações da opinião pública nacional.
Mesmo com séries críticas advindas de organizações como a Anistia Internacional e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o governo da Austrália persistirá no acordo bilateral com a Malásia: uma troca incongruente com os princípios fundamentais da dignidade e da vida humana. Deportam-se imigrantes que, em solo malásio, serão julgados no intuito de verficar se atendem ou nãoaos critérios que os definirão como refugiados.
Todavia, as inovações não param por estes pontos. Além de terem se tornado “figurinhas” de troca, estes seres humanos ainda virarão protagonistas de filmes, uma vez que as deportações serão gravadas em sua plenitude. Os 54 primeiros deportados terão toda esta trajetória filmada: primeiro a chegada ao centro de detenção australiano; depois o avião para a malásia; e por último a chegada aos acampamentos em Kuala Lumpur. Este vídeo será feito com a intencionalidade de ser um fator antipropagantístico da imigração: colocado no youtube, servirá como veículo de contenção das massas de imigrantes.
Nas falas do porta-voz do departamento de imigração australiano, Sandi Logan: "Não queremos que eles financiem, não queremos que eles de modo algum sugiram que uma opção para vir à Austrália seja pegando barcos frágeis e perigosos, em uma viagem altamente arriscada pelo mar aberto no norte da Austrália [...] Mas, claro, sabemos que o YouTube não se restringe a pessoas na Austrália. Será uma mensagem muito potente que demonstra a inutilidade de se envolver com contrabandistas de pessoas... arriscando a vida, somente para depois ser colocado em um avião de volta para a Malásia."
Infelizmente, mais uma vez, vemos pensamentos maniqueístas sobre questões altamente humanitárias. As pessoas não deixarão de se arriscar pelo medo de serem deportadas ou sofrerem durante dias em alto mar, podendo até perder suas vidas; elas não se arriscarão mais somente quando tiverem condições sustentáveis politica, econômica e socialmente em seus países de origem. Trocar refugiados por uma questão de metodologia de qualificação parece ser uma política bastante irracional: os que chegam à Austrália já passaram pela avaliação e ganharam tal “titularidade”, enquanto que aqueles que são enviados à Malásia passarão ainda por esta clivagem.
Mais uma vez, o que se percebe é o mar enquanto esperança para aqueles que imigram e desespero para aqueles que recebem: uma ponte que não é somente geográfica, mas antes de tudo é social e política.

Bibliografia:
AUSTRÁLIA usa Youtube para dissuadir imigração ilegal. Disponível em: http://tecmundo.com.br/m/12103.htm. Acesso em: 22/10/2011


Nenhum comentário:

Postar um comentário